O presente texto propõe um panorama geral e didático sobre os diferentes regimes de bens previstos no Código Civil brasileiro e seus reflexos na sucessão hereditária, verificando-se a comunicabilidade ou não do respectivo patrimônio na hipótese de falecimento de um dos cônjuges.
Previamente, são importantes dois conceitos básicos para a compreensão do tema, a “meação” e a “herança”.
A meação, instituto do direito de família, pode ser definida como a metade dos bens comuns do casal, que será destinada a cada um dos cônjuges em caso de dissolução do casamento, seja pelo divórcio ou falecimento.[1] O direito ou não à comunicação (meação) dos bens, por sua vez, depende do regime de bens adotado no casamento ou na união estável. As modalidades existentes serão abordadas logo a seguir.
Já a herança, instituto do direito das sucessões, é o conjunto de bens deixados pelo falecido. É todo o patrimônio que será herdado diante do falecimento de alguém. No caso de inexistência de testamento, a divisão dos bens do falecido seguirá as regras previstas no art. 1.829 do Código Civil, que assim dispõe:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.
No dispositivo acima, observa-se que a classe dos descendentes, isto é, aqueles que se encontram na posição de filhos, netos etc., é colocada em primeiro plano concorrentemente ao cônjuge sobrevivente, o qual receberá uma parte da herança, a depender do regime de casamento.
Nos termos do art. 1.829, I, do Código Civil, se os cônjuges forem casados pelo regime da comunhão universal de bens ou pelo regime da separação obrigatória, não haverá essa concorrência. Caso o falecido tenha casado pelo regime da comunhão parcial de bens e não tenha deixado bens particulares, também, não ocorre concorrência na herança.
Feitas essas considerações, adentra-se o cenário geral dos diferentes regimes de bens previstos no Código Civil brasileiro e seus reflexos na sucessão hereditária
1) Regime da comunhão universal de bens: previsto nos arts. 1.677 e 1.668 do Código Civil, importa na comunicação (meação) de todos os bens móveis e imóveis, presentes e futuros. Ou seja, o patrimônio funde-se em um só, ressalvadas as hipóteses de incomunicabilidade previstas na lei (art. 1.668, I a V). Em termos práticos, no caso de falecimento de um dos cônjuges, a metade ideal (meação) será entregue ao cônjuge sobrevivente, independentemente do título aquisitivo originário. O patrimônio remanescente, ou seja, a outra metade que corresponde à integralidade da herança do falecido, será dividida em partes iguais somente entre os filhos, por força do artigo 1.829, I, do Código Civil.
Isso acontece porque vigora na legislação civil a máxima regra: “quem meia não herda e quem herda não meia”. Isso significa o seguinte: se a(o) viúva(o) já recebeu a sua metade (meação) de todo o patrimônio, inclusive eventuais bens adquiridos pelo falecido antes do casamento, não terá direito de concorrer na herança com os descendentes.
2) Regime da Comunhão Parcial de bens: esse é o regime considerado legal, ou seja, aquele aplicado pela lei no caso de omissão dos consortes acerca da divisão patrimonial e que independe de previsão em pacto antenupcial. Além disso, é o regime que preserva o patrimônio anterior, aquele que os cônjuges possuíam antes de se casarem.
Assim, pode-se dizer que há três categorias de bens, são elas: os bens comuns (adquiridos pelo casal na constância do casamento), os bens da esposa (adquiridos antes do casamento) e os bens do marido (adquiridos antes do casamento). Nesse caso, uma vez encerrado o regime de bens pela separação ou pelo divórcio, cada cônjuge permanecerá com os seus bens particulares e os bens comuns serão divididos entre ambos.
No caso de falecimento, a regra também é parecida. A(O) viúva(o) receberá a sua meação (metade) dos bens comuns, enquanto a parte do cônjuge – os outros 50% (cinquenta por cento), que, na verdade, correspondem à integralidade da herança – será dividida somente entre os filhos.
No que concerne aos bens particulares, isto é, adquiridos antes do casamento, o cônjuge sobrevivente não terá direito à meação. Nesse caso, esses bens serão herdados em partes iguais pela(o) viúva(o) e os filhos do falecido.
3) Regime da Separação Obrigatória ou Legal de bens: Esse é o regime que foge da regra da autonomia da vontade. Com o fim de proteger o patrimônio de um dos cônjuges, a lei impõe essa modalidade de regime às pessoas que se casarem: i) em inobservância das cláusulas suspensivas do casamento; ii) em idade avançada, acima de 70 anos; e iii) que precisaram de decisão judicial para casar.[2]
Nesse regime, o Supremo Tribunal Federal adota o entendimento de que o cônjuge terá direito à metade dos bens adquiridos durante a constância do casamento. [3]
O Superior Tribunal de Justiça, em complemento ao entendimento acima, adota o posicionamento de que haverá a comunicação dos bens comuns, desde que seja comprovado o esforço comum do casal.[4]
Assim, na prática, no caso de ocorrer o óbito de um dos cônjuges casado nesse regime, o viúvo (a) sobrevivente tem direito à meação dos bens comuns, desde que comprovado judicialmente seu esforço para a aquisição.
Especificamente quanto aos bens de natureza particular, isto é, os adquiridos antes do casamento, o Código Civil (art. 1829, I), expressamente, excluiu o cônjuge casado sob esse regime da condição de herdeiro, ao estipular que a sucessão se defere na seguinte ordem “aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens.
4) Regime da Separação Convencional de bens: Esse é a modalidade em que, contemporaneamente, o Código Civil possibilita aos nubentes a livre escolha do regime de bens que melhor atenda a seus interesses.
Na prática, ao pactuarem o regime de separação de bens convencional, os nubentes têm como propósito evitar que a sociedade conjugal (casamento) reflita na sua esfera patrimonial individual.
Segundo Maria Berenice Dias, os nubentes, ao elegerem o regime de separação de bens, manifestam intenção de afastar qualquer efeito patrimonial do casamento.[5]
Dessa maneira, uma vez escolhido este regime de bens, não existirá entre os cônjuges um patrimônio comum. Essa modalidade possibilita que cada um possa gerir o seu próprio patrimônio de maneira individual.
Na prática, em boa parte dos casos, o regime de separação de bens convencional é escolhido por cônjuges que não desejam causar confusão de patrimônio entre estirpes familiares distintas. No entanto, é possível notar um certo abismo entre a vontade dos cônjuges, isto é, entre o desejo das partes e a discricionariedade da lei.
Isso porque, nessa hipótese de regime, não haverá confusão patrimonial que importe em meações, quando da resolução do casamento em vida, sendo muito provável que, a fortiori, os cônjuges desejem estender a independência de suas esferas patrimoniais na dissolução por morte.
Apesar disso, no regime da separação convencional de bens, por força do art. 1829, I, o cônjuge sobrevivente concorrerá por cabeça com os filhos na herança do falecido.
[1] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. v. VII – Direito das Sucessões. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.13.
[2] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito civil: direito das Sucessões. v.6. 36. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 313.
[3] Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal: No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do Casamento.
[4] STJ. 2ª Seção. EREsp 1.623.858-MG, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), julgado em 23/05/2018 (Info 628).
[5] DIAS, Maria Berenice. Direito das sucessões e o novo código civil. Texto: Filhos, bens e amor não combinam. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.